Pouco mais de um mês após as enchentes de janeiro que devastaram Nova Friburgo, os primeiros reparos começaram a ser feitos, mas muitos riscos ainda existem e novos perigos apareceram.
Com os deslizamentos de barreiras, incluindo de matas nativas, e córregos que saíram de seu curso normal, invadindo localidades urbanizadas, o município da serra fluminense passou a apresentar uma nova geografia.
Agora é necessário entender as condições do solo, o espaço que a natureza tomou de volta, que tipo de risco a população ainda sofre e que medidas devem ser tomadas para que haja segurança.
Para entender o porquê dessas mudanças e dos efeitos causados na cidade, o professor e geógrafo Uderson Meneguite falou sobre as condições geográficas da região serrana e, principalmente, de Nova Friburgo.
Nova Imprensa - Como a geografia explica essa tragédia que assolou a região serrana?
Uderson Meneguite: Essa tragédia aconteceu devido a vários fatores que ocasionaram deslizamentos e alagamentos. Primeiro devemos ressaltar que Nova Friburgo está localizada em um conjunto montanhoso, que se chama Serra do Mar, e se estende desde Santa Catarina até o sul da Bahia, sendo a nossa região a que contém os picos mais elevados. Estou explicando isso para que entendam que nossa cidade está encravada em um vale, com um relevo movimentado, com rochas que vêm sofrendo desgastes naturais desde seu aparecimento. Com isso, surgem camadas de solo que ficam sustentadas sobre essas rochas. Ao passarem os anos, cresce uma cobertura vegetal sobre esse solo.
Outro fator importante para a ocorrência dessa tragédia é o aquecimento das águas do oceano atlântico que estão passando por sucessivos aumentos de temperatura devido ao aquecimento global. Desta forma, temos um processo de maior evaporação dessas águas e o primeiro suporte de bloqueio dessas nuvens é a Serra do Mar, onde nossa cidade está localizada, fazendo com que o volume de precipitação seja muito grande.
Nova Friburgo então sofreu uma tragédia climática, com 184mm de chuva em um dia, o que seria o mesmo que nós dissermos que caiu sobre Nova Friburgo, 184 litros de água por metro quadrado. Um volume muito acima da média, se formos analisar a quantidade prevista para todo o mês de janeiro. Com essa chuva, o solo ficou encharcado. Por ele ser argiloso e a argila reter a água, o solo tem seu volume aumentado e a gravidade o empurra para baixo, que é o que chamamos na geomorfologia de movimento gravitacional de massa.
NI - Uma tragédia como esta pode voltar a acontecer? E o que fazer para evitá-la?
Uderson: É raro, mas nada impede que ela possa acontecer novamente. Devemos saber que o volume de chuva nos meses de verão em Nova Friburgo pode aumentar devido ao aquecimento das águas do Oceano Atlântico.
Temos de aproveitar esse momento para que possamos ter um planejamento ambiental, pois apesar da beleza de nossa geografia ela é muito vulnerável, então temos de conciliar o uso do solo de forma que não se ofereça riscos aos habitantes.
NI - Que tipo de área é aconselhável para a ocupação?
Uderson: Para que certas áreas possam ser ocupadas, devem ser feitas obras de engenharia, prevendo o escoamento da água. Eu observei no município que onde a área é mais impermeabilizada, a água não infiltrou, ela correu superficialmente, fazendo com que não tivéssemos deslizamentos em Olaria, por exemplo.
É necessário fazer um projeto de ocupação de determinadas áreas, respeitar o que a lei regulamenta em termos de ocupação do solo, para reduzirmos as áreas de risco. E que não se permita a construção em regiões inapropriadas para a ocupação. E que não se culpe as pessoas mais pobres, pois muitas delas construíram em locais de risco porque lhe foi permitido construir e não tinham condições financeiras de comprar um terreno em outro local. Então eles foram vítimas e não responsáveis por essa situação.
NI - Quais mudanças aconteceram em nossa cidade após a tragédia de janeiro?
Uderson: A gente percebe alteração nos cursos hídricos, áreas que tinham o caminho do rio canalizado e não comportaram o volume de água e os canis voltaram aos seus leitos antigos. E outros canais como em Córrego Dantas, o rio criou mecanismos próprios de movimentação. Com o deslocamento das massas das encostas, tivemos o surgimento de novas nascentes que darão origem a novos cursos de água.
Com a descida das encostas, o tipo de relevo e a quantidade material sobre essas montanhas também mudou, o que nos faz concluir que houve uma drástica mudança na geografia de toda a cidade.
NI - Por que córregos passaram a ter seus leitos passando sobre áreas urbanas?
Uderson: Devido à urbanização, muitos córregos são canalizados e às vezes muitas pessoas moram em cima de um rio e não sabem, pois ali existe uma rua. Como o volume de água nessa tragédia foi muito grande, essa estrutura não comportou e o rio teve de passar por outras margens, criando assim um caminho mais fácil para ele passar naquele momento.
NI - O que fazer para evitarmos tragédias como essa?
Uderson: Temos de aproveitar esse momento como aprendizado e preparar nosso município para evitar isso, dando suporte maior às secretarias de meio ambiente e de planejamento para que tenhamos uma estrutura que planeje a cidade, voltada para o desenvolvimento sustentável.
É fundamental sabermos de que forma podemos ocupar o solo, respeitar as margens dos rios, criar as contenções necessárias, fazer novos parques. O respeito à natureza é primordial, pois esse fenômeno que caiu sobre a gente tem sido constantes em todo o planeta, e Nova Friburgo sentiu na prática o que o ser humano vem fazendo com planeta, com gases poluentes sendo despejados na atmosfera, por exemplo, e isso deve ser evitado. Devemos ter consciência ambiental, cuidar do planeta para impedir novas tragédias naturais.
Por Matheus Oliveira(www.novaimprensa.com.br)
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